Esgoto a céu aberto na Rua da Glória, no bairro São Miguel. | Foto: Nathalie Fernandes/ Portal M1
Em 2024, Juazeiro do Norte possuía a pior cobertura sanitária do Ceará. De acordo com dados do Trata Brasil 2024, o município tinha apenas 23,41% de cobertura de esgotamento sanitário. Até o final de 2025, a cidade deve passar por intervenções para ampliar esse percentual para 46,38%. Somente neste ano, mais de 100 km de novas redes de esgoto estão sendo construídas pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) em parceria com a Ambiental Ceará.
O ranking do saneamento do Trata Brasil 2025 mostra que Juazeiro do Norte subiu seis posições em um ano: em 2024, ocupava o 91º lugar e, neste ano, passou para o 85º. Segundo a coordenadora de planejamento, monitoramento e desempenho operacional da Cagece, Juliana Filgueiras, a parceria com a Ambiental Ceará pretende ampliar a cobertura para 90% até 2033.
“A meta contratual da Ambiental é alcançar 46% de cobertura este ano. Pode ser maior, não há problema. Até 2033, a empresa deve entregar 90% de cobertura e, até 2045, 95%”, afirmou Juliana.
Apesar dos avanços nas obras, as empresas enfrentam um grande desafio: a adesão da população ao sistema de esgotamento sanitário.
Rede em expansão, ligações vazias
Mesmo com os investimentos em infraestrutura, milhares de domicílios permanecem sem conexão à rede, inclusive em áreas onde o serviço já está disponível. De acordo com Tadeu Bezerra, gerente executivo da Ambiental Ceará, em 2025 estão sendo implantados mais de 120 km de redes de esgoto em Juazeiro do Norte, o equivalente a dez viagens de ida e volta entre o município e Crato. As novas obras podem beneficiar cerca de 12 mil imóveis, mas ainda há domicílios de etapas anteriores que não realizaram a interligação.
“Cerca de 15 mil economias das obras anteriores ainda dependem da conexão dos moradores. No total, aproximadamente 27 mil imóveis em Juazeiro têm rede disponível, mas não se conectaram”, disse Tadeu.

Se uma casa não liga a residência à rede de esgoto, toda a comunidade daquela rua será afetada. | Foto: Nathalie Fernandes/ Portal M1
Como consequência, boa parte do esgoto gerado continua sendo lançado em fossas rudimentares, valas improvisadas, terrenos baldios ou diretamente em galerias pluviais. Um sistema com baixa adesão perde eficiência, reduz o desempenho das estações de tratamento e aumenta o impacto ambiental. A baixa adesão é resultado de fatores econômicos, culturais e informacionais.
Principais motivos apontados pelos moradores
- Custo da ligação domiciliar
A conexão entre a estrutura interna do imóvel e a rede pública — a chamada ligação intradomiciliar — é de responsabilidade do proprietário. Para muitas famílias de baixa renda, o gasto com tubulação e mão de obra é inviável. - Falta de informação sobre os benefícios e a obrigatoriedade
Muitos moradores desconhecem que a ligação é obrigatória. A Lei Federal nº 11.445/2007 determina que edificações urbanas sejam conectadas à rede pública sempre que houver disponibilidade. No Ceará, a Lei Complementar nº 162/2016 reforça a meta de universalização da coleta e do tratamento de esgoto. - Resistência cultural
Fossas sépticas — mesmo inadequadas — ainda são vistas como solução suficiente. A transição para a rede pública exige mudança de comportamento. “A população não entende que a fossa pode contaminar o lençol freático, que abastece a cidade”, explicou Juliana.
- “Um valor a mais para pagar”
A tarifa de esgoto é entendida por muitos como um custo adicional. Em novembro de 2025, a Cagece revisou a tarifa de água e esgoto em 9,73%. O valor médio passou a ser de R$ 6,90 por metro cúbico. Um brasileiro consome, em média, 154 litros de água por dia. Com o aumento da tarifa, uma casa com quatro pessoas que se sustentam com um salário mínimo – atualmente cerca de R$ 1.518 – gastariam, por mês, R$255,02 (R$127, 51 da Água + R$127,51 do Esgoto)- o equivalente a 16,08% do salário. Para famílias de baixa renda, trata-se de uma despesa difícil de absorver.
Tadeu reforçou, porém, que o saneamento gera economia a médio prazo, pois “reduz doenças, diminui gastos com saúde e melhora a atividade econômica, especialmente em áreas comerciais”.
O impacto ambiental invisível
Quando um domicílio deixa de se conectar à rede, o esgoto não coletado infiltra no solo, contamina o lençol freático ou escorre para mananciais. A água poluída compromete a biodiversidade, provoca mau cheiro e facilita a proliferação de insetos.

Esgoto localizado na Avenida Dr. Floro Bartolomeu, no bairro São Miguel. | Foto: Nathalie Fernandes/ Portal M1
O esgoto não tratado contém microrganismos que podem causar doenças como hepatite A, leptospirose, febre tifóide, giardíase e diversas infecções gastrointestinais. O problema atinge principalmente crianças, com risco de internações e óbitos.
O descarte inadequado também é passível de penalidades previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e no Decreto nº 6.514/2008, incluindo multas e sanções mais severas em caso de reincidência.
Campanhas que tentam virar o jogo
Para ampliar a adesão, ações de conscientização têm sido intensificadas durante as obras. “Nós realizamos visitas periódicas. Em Juazeiro, já fizemos cerca de 13 mil visitas de conscientização, muitas repetidas três vezes no mesmo imóvel, porque sabemos que é uma mudança cultural”, destacou Tadeu.
Além das visitas, são desenvolvidos programas como:
- Afluentes — reúne lideranças comunitárias para apresentar as atividades da concessionária e a importância do saneamento.
- Saúde Nota 10 — ações educativas nas escolas, adaptadas para cada faixa etária.
- Projeto Pioneiros — jovens do ensino médio passam por imersão na concessionária e desenvolvem projetos para a comunidade.
- Workshop de Jornalismo — capacitação para que jornalistas entendam o tema e possam informar melhor a população.
Próximos passos
Entre 2024 e 2025, a expansão alcançou bairros que até pouco tempo não possuíam rede, como o Triângulo. “Alguns bairros já atendidos são: João Cabral, Pio XII, Salesianos, Socorro, Centro, parte da Lagoa Seca, parte das Timbaúbas, Conjunto Minha Casa Minha Vida, Leandro Bezerra, São Sebastião, Manoel Santana e Padre Cícero”, afirmou Juliana Filgueiras.
“Santo Antônio e São José tinham cobertura zero e agora recebem grande volume de obras”, acrescentou Tadeu. Em 2026, as intervenções devem continuar em regiões mais densas onde a cobertura ainda não foi concluída, como, por exemplo, a Lagoa Seca.
Uma cidade que cresce por baixo da terra

Ponto de acúmulo de esgoto localizado na Rua Raimundo Machado da Silva, no bairro Triângulo. | Foto: Nathalie Fernandes/ Portal M1
O esgotamento sanitário é uma obra que quase não aparece — está enterrada, mas tem impacto profundo na saúde e no meio ambiente. O desafio de Juazeiro do Norte ultrapassa a engenharia: envolve comunicação, educação e construção de confiança.
Universalizar o esgoto significa conquistar moradores e garantir que cada casa faça parte do sistema. Enquanto isso não acontece, a cidade vive um paradoxo: a rede avança, mas a adesão não. E o esgoto que não chega à estação de tratamento segue chegando onde não deveria — nos rios, no solo e no futuro ambiental do Cariri.
O que está em jogo
O Cariri vive uma expansão urbana acelerada. Turismo, novas empresas e crescimento imobiliário exigem infraestrutura sustentável. Sem adesão ao esgotamento sanitário, Juazeiro do Norte perde a oportunidade de transformar sua paisagem e sua saúde coletiva.
A universalização só será possível quando cada morador — do centro às periferias — fizer parte do sistema. O esgoto que não vai para a rede não desaparece. Ele retorna: na água, no solo, no ar e na qualidade de vida da cidade.

