
Noite das Solteironas. Foto: Reprodução.
Pelas ruas de Barbalha, o colorido das bandeirolas dança ao vento, enquanto o som dos reisados e guerreiros ecoa pelas praças. O aroma do chá casamenteiro se mistura à festa, e o sabor marcante da Pinga Xô Caritó desperta os sentidos dos participantes. Véus, grinaldas e buquês carregados pelas mulheres encantam os olhos, enquanto gestos de fé e alegria envolvem a cidade em uma atmosfera única. É a Festa de Santo Antônio que se aproxima, e Barbalha se enfeita para receber as celebrações.
Entre os momentos mais aguardados dessa grandiosa manifestação cultural e religiosa está a Noite das Solteironas, realizada desde o final da década de 1990. O evento integra a programação da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio e ocorre na véspera do cortejo principal. Repleta de simbolismos, a noite é marcada por simpatias, rituais e celebrações voltadas aos “solteiros” e “encalhados” que recorrem às bênçãos de Santo Antônio — conhecido como o santo casamenteiro — na busca por um amor.
São justamente essas histórias, vividas entre promessas, chás e rezas, que dão vida à celebração. À sombra das tradições populares, conheça relatos de quem já fez suas simpatias e garante: Santo Antônio ouviu.

Cortejo do Pau da Bandeira na Festa de Santo Antônio, em Barbalha. Foto: Prefeitura de Barbalha.
A guardiã Socorro Luna e o legado das Solteironas
A idealizadora do projeto, Socorro Luna, desempenha um papel central na Noite das Solteironas, sendo responsável pela organização do evento e pela criação de diversos rituais voltados àquelas que buscam o amor e o casamento. Um dos mais conhecidos é o chá casamenteiro, feito com lascas de madeira do pau da bandeira de Santo Antônio e distribuído gratuitamente no sábado e no domingo, pela janela de sua casa — uma simpatia que, segundo a crença popular, garante o matrimônio àquelas que participam com fé.
Outras tradições marcantes da noite incluem a Pinga Xô Caritó, os kits casamenteiros, os véus de noiva e a brincadeira de puxar a aliança do bolo, todas voltadas ao desejo de encontrar uma alma gêmea. Socorro também é homenageada em diversos cantos de Barbalha, inspirando músicas, drinks e até combos de hambúrguer que levam seu nome.
Ela conta que o evento surgiu como uma forma de resgatar as antigas quermesses realizadas nos arredores da Igreja Matriz de Barbalha, mantendo vivas as crenças e os costumes populares da região. Ao ser questionada sobre sua motivação para manter a tradição ano após ano, Socorro responde: “Fiz por devoção ao nosso amado padroeiro, por amar tudo isso e para ajudar aquelas que procuram um grande amor a realizar seu sonho.”

Socorro Luna, organizadora da Noite das Solteironas. Foto: André Costa / SVM
Fé, coincidência ou destino? O amor selado pelas simpatias
Lívia nunca havia participado da Festa de Santo Antônio antes, mas o santo já estava de olho nela desde 2016. Naquele ano, Lívia Sidrim, natural de Barbalha, pegou o buquê de Santo Antônio durante um casamento, mas decidiu que só se casaria após concluir a faculdade, em 2024. O tempo passou, e a promessa foi mantida. Em 2023, já perto da formatura, ela participou do cortejo do Pau da Bandeira pela primeira vez: no meio da multidão, sob o calor de fim de tarde, escreveu seu nome no tronco do mastro e tomou o tradicional chá casamenteiro de Socorro Luna. Naquele instante, Lívia fazia um pedido ao santo.
Após participar das simpatias, Lívia conheceu aquele que viria a ser seu futuro esposo: Gabriel Fidelis. Este, por sua vez, é carregador do Pau da Bandeira e, há dez anos, mantém viva a tradição familiar de conduzir o mastro durante a festa. Embora já conhecesse Lívia de vista, os dois nunca haviam se aproximado de fato. Tudo mudou em setembro de 2024 — uma semana após a formatura dela —, quando passaram a se seguir novamente no Instagram.
Pouco depois, Gabriel comentou uma foto publicada por Lívia, na qual ela aparecia escrevendo seu nome no pau da bandeira. A partir desse reencontro virtual, começaram a conversar com frequência até que, de forma natural, iniciaram um relacionamento.

Lívia Sidrim recebendo o chá casamenteiro de Socorro Luna. Foto: Lívia Sidrim.
O devoto relembra suas demonstrações de fé ao longo do cortejo: “Durante esse percurso [do carregamento], a gente faz nossas orações, nossas preces e também os pedidos […] e eu acredito muito que Santo Antônio ouviu”. Lívia também confia na força dos rituais do santo: “Eu relaciono completamente a fé em Santo Antônio com o meu casamento, porque foi uma sequência de ‘coincidências’ ligadas a ele, tanto em 2016 quanto em 2023. […] E eu vim a encontrar uma pessoa que também é muito devota e que tem uma história muito forte com ele”.
Com o relacionamento já iniciado, o casal descobriu uma série de coincidências entre suas trajetórias: suas famílias já se conheciam há tempos. Ao saber da aproximação entre os dois, Socorro Luna não teve dúvidas: “Isso é Santo Antônio”.

Foto de casamento de Lívia Sidrim e Gabriel Fidelis. Foto: Reprodução / Lívia Sidrim.
Entrevista e casamento: o roteiro improvável de Vinícius
Há quem diga que vida profissional e pessoal não se misturam — mas o locutor e radialista Vinícius Santos talvez discorde. Inicialmente, ele participou dos festejos a trabalho. Durante uma entrevista com Socorro Luna, em 2024, perguntou à solteirona qual simpatia teria mais efeito. Sem hesitar, ela respondeu: “É o chá casamenteiro”.
Curioso, Vinícius decidiu experimentar a tradicional infusão e ainda recebeu uma lasca do pau da bandeira. O aroma amadeirado das ervas se espalhou pelo ar, carregando consigo promessas silenciosas. Um mês após a simpatia, sua vida tomou um novo rumo: Vinícius foi surpreendido com o casamento, selando o encontro entre fé, tradição e destino.
Em entrevista, Vinícius compartilha sua vivência na festa: “Lá, você sente que as pessoas têm devoção, têm fé, e acreditam que quem pega no pau de Santo Antônio vai se casar. Então, todo mundo que está ali carrega a crença de que, de fato, vai encontrar o amor da sua vida. É uma experiência muito bacana ver a cidade inteira envolvida nos festejos de Santo Antônio”.
O radialista deixa ainda uma mensagem esperançosa para quem busca o matrimônio: “Pra quem tem fé e realmente quer [casar], pode acreditar que Santo Antônio abençoa”.
Quando a fé encontra a brincadeira
Apesar da intensa religiosidade que envolve a festa, há quem participe mais pelo entretenimento. É o caso do estudante Lucas Sales, que conheceu a Noite das Solteironas a convite de amigos e já planeja participar da terceira edição em 2025.
“Eu fiz como meus amigos fizeram. Na primeira vez, eles me arrastaram, e na segunda fui eu quem arrastei uma turma, um pessoal que curtia festa […]. Cada um teve uma experiência diferente, mas todos eles gostaram muito”, lembra Lucas.
Ele também compartilha sua experiência com os rituais casamenteiros: ganhou o chá de presente em 2024, e apesar de ter seguido o ritual durante alguns dias, Lucas continua solteiro e ainda não percebeu mudanças na sua vida amorosa. Entre risadas, ele garante que vai tentar de novo este ano, na esperança de um resultado diferente.
Lucas reflete sobre a mistura de fé, tradição e diversão no evento: “Perceber que isso passa de geração para geração, e ver o empenho das pessoas envolvidas, é muito bonito. Eu acho que isso representa a essência de todo um povo”.

Barraca da Solteirona, em Barbalha. Foto: Darlene Barbosa / TV Verdes Mares.
Outra estudante que já viveu a experiência da Noite das Solteironas é Eduarda Lima. Ela conta que, em 2023, usou o véu para compor a tradição popular das 12 noivas que bebem o chá juntas. Desde então, muitas pessoas passaram por sua vida, mas nenhuma permaneceu.
“Acredito que não fui muito boa nas minhas escolhas amorosas depois que tomei o chá […]. Não sei se foi realmente o chá, mas as pessoas entraram na minha vida após esse período”, comenta, entre risos. Eduarda diz que a noite foi uma experiência muito positiva, mas que, nas próximas edições, pretende participar apenas da Festa de Santo Antônio.
“Tudo depende da fé”
Para Socorro Luna, mais do que as simpatias, os chás e os rituais, é a fé no santo que move cada passo em direção ao amor. Segundo ela, não importa o método escolhido — se é puxar a aliança do bolo, escrever o nome no pau da bandeira ou tomar o chá casamenteiro — o que realmente faz a diferença é acreditar. “Tudo depende da tua fé”, afirma a idealizadora da Noite das Solteironas, lembrando que, quando o coração está aberto e confiante, Santo Antônio cuida do resto.
Apesar das diferentes motivações que levam os participantes à festa — seja pela fé, seja pela diversão —, é inegável que o evento continua atraindo um número crescente de visitantes, encantados com a interação única entre o sagrado e o profano que toma conta de Barbalha. Entre rezas e risos, o amor encontra seu espaço na cidade: às vezes no chá, às vezes no acaso — mas sempre na força de uma tradição que atravessa gerações.