O artista plástico Luiz Karimai foi secretário de cultura de Juazeiro. (Foto: Reprodução)
Como forma de homenagem póstuma o Site Miséria lembra exatos 15 anos da morte do professor e artista plástico Luiz Karimai, que transcorre nesta quinta-feira, dia 31 de julho. Ele era sociólogo, espírita e foi Secretário de Cultura em Juazeiro na gestão do prefeito Mauro Sampaio. O mesmo era ligado às causas humanitárias de muita solidariedade ao próximo sempre transmitindo a paz por meio da sua arte e faleceu no ano de 2010 na luta contra um câncer no estômago.
Karimai residia no bairro Tiradentes em Juazeiro, mas era na Vila Fátima onde desenvolvia um trabalho social por meio do Lar da Irmã Sheila. Bastante dedicado aos mais carentes, conseguia donativos e distribuía junto a pessoas pobres que o procuravam. Ele nasceu em Lavínia (SP) e veio a Juazeiro na década de 70 com o amigo Gilberto Morimitsu não mais retornando a São Paulo. Foi amor à primeira vista a Terra de Padre Cícero quando abraçou o mundo das artes plásticas.
O artista deixou um legado com discípulos do seu trabalho e se tornou nome de rua no bairro Novo Juazeiro após sua morte. A arte da pintura lhe rendeu muitos prêmios tendo os traços inconfundíveis como marca maior. A primeira visita ao Juazeiro foi com o objetivo da buscar dados, fotos e depoimentos visando concluir um estudo sociológico do seu curso na USP (Universidade de São Paulo). Terminou ficando e casando fazendo surgir uma família estruturada e amorosa.
No Cariri a sua arte ganhou força por meio dos traços delicados em penas com nanquim mostrando as paisagens caririzeiras. Grande parte dos artistas regionais fez laboratório em seu ateliê quando o mestre ensinava e aprendia aprimorando a formação cristã e espírita bastante visíveis na sua arte e cotidiano. Trabalhos que ganharam o mundo em exposições individuais e coletivas. Inclusive, pelo conjunto de sua obra recebeu várias comendas.
Em janeiro de 2023, a sua filha e jornalista Clara Karimai escreveu um artigo que deu o título de: “A arte de Karimai como a conheci” o qual foi publicado aqui no Site Miséria. O texto destaca o seguinte:
“Há pouco tempo, em uma conversa recente, afirmei, quando inquirida, que nunca havia parado para conversar sobre arte com o meu pai. Conversávamos sobre tudo: o tempo, as pessoas que nos cercavam, os automatismos cotidianos, a dificuldade com a matemática… Sobre tudo, mas nunca sobre arte. Uma pena!
Isso me causou uma angústia que perdurou por dias. De fato, nunca tive aula formal sobre movimentos e estilos artísticos, tampouco ele dissertou sobre as suas manifestações nas telas e nos papéis. Em meio à frustração, veio-me, quase que intuitivamente, a resposta em tom retificador: como não? E os passeios no meio do mato, observando as folhas envelhecidas caídas despretensiosamente no chão? E as interrupções dos afazeres no final da tarde para observar, de cima do muro do quintal, o pôr do sol e as nuances que se revelavam no sentido contrário ao poente? E quando eu e meus irmãos éramos estimulados a desenhar para acalmar os ânimos alterados? E quando me levava à campanha do quilo para arrecadar alimentos para as famílias carentes e mostrava, por meio do exemplo, a doçura de exercitar a humildade e de se importar com o outro? Como não falávamos sobre arte se sua vida foi a arte da escuta e do manifestar o belo dentro da realidade estética?
Talvez não precisássemos articular palavras sobre isso, porque a arte estava diretamente ligada à nossa rotina diária, evidente. Tão evidente que durante muito tempo me passou despercebida.
Outro dia, procurando alguma coisa sem importância nas suas bagunças, percebi que, apesar do tempo, continuavam ali os depósitos com tintas misturados aos nossos brinquedos, desordenadamente esquecidos em sua mesa de trabalho. Ali permanecia a arte e o amor — conciliação harmoniosa entre a vida e a obra.
Assim como na parábola do Semeador, muitas sementes foram jogadas nos solos áridos e ressequidos das nossas consciências cristalizadas na racionalidade objetiva; quantos espinhos do medo, pedras do cotidiano e calor racional atrofiaram, ressecaram e inibiram a semeadura… Mas com a insistência da água que contorna a rocha, grãos permaneceram guardados na profundidade das emoções, e eis que em meio a um turbilhão de sentimentos percebo a inutilidade das palavras. Ao modo ceciliano, o sangue eterno e asa ritmada permanecem, apesar da fugacidade do tempo e da finitude corpórea. O que importa o eco de um vocábulo proferido em meio ao turbilhão ensurdecedor moderno?
O estímulo externo acende e revira a memória profunda. A resposta de que não falávamos sobre me faz olhar a sua arte. Olho em volta: pincéis, tintas, anotações, lápis, pedaços de raízes de plantas, o cheiro de tinta e solvente. Vejo, ainda, os quadros posicionados nas paredes da oficina, obras que expressam desvios a perpassarem os procedimentos advindos do seu conhecimento técnico e teórico da experiência imagética/visual. A aventura no azul revela na última tela, inacabada, formas humanas cobertas de luz, de partida…
Ali estão as indagações que desconstroem as minhas percepções enquanto interlocutora. Instigam-me e educam-me para um novo olhar — de melhoramento na forma de pensar, sentir, analisar e ter participação no mundo. O deleite do mergulho na sua arte termina por revelar a essência do ser, no mais profundo convite à humanidade: “Conhece-te a ti mesmo”.
Tal convite era feito diuturnamente aos que conviviam com ele. Olhar o pôr do sol, desenhar e pintar para desacelerar as emoções afloradas depois das infantis e calorosas discussões e observar as folhas ressequidas jogadas ao vento foram desautomatismos empreendidos que, em algum lugar do meu ser, encontraram abrigo e servem de alento quando as vicissitudes e exigências do dia a dia insistem em adormecer emoções e sentimentos.
De que serve a palavra quando a imagem, tal qual jogo especular, reacende e recupera a nossa própria alma?
Ainda bem que nunca conversamos sobre arte”

