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“Que seja um farol, não exceção”: primeira mulher trans se forma no curso de Artes Visuais da URCA
A pesquisa, que debate sobre histórias silenciadas nas artes e na cultura, marca a conquista de Daniela Santos como a primeira mulher trans a se formar no curso de Artes Visuais da URCA. O feito, apesar de ser motivo de conquista, levanta o questionamento: por que só agora?
Bruna Santos
Daniela Santos, artista visual. Foto: Acervo pessoal / Daniela.

Foi com o tema “Arte, Identidade e Resistência: A Presença de Mulheridades Racializadas em Ambientes Culturais” que Daniela da Silva Santos concluiu a graduação em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri (URCA). A pesquisa, que debate sobre histórias silenciadas nas artes e na cultura, marca sua conquista como a primeira mulher trans a se formar no curso. O feito, apesar de ser motivo de conquista, levanta o questionamento: por que só agora?

Daniela é natural de Juazeiro do Norte. Desde cedo, considera que a arte fez parte da sua vida, seja no desenho, na dança ou na criação. “Sempre vi a arte como um espaço onde eu podia respirar, existir e transformar dor em criação. Escolher o curso de Artes Visuais foi uma forma de afirmar minha identidade e reivindicar um lugar no mundo, através da sensibilidade, da crítica e da resistência”, afirmou.

Sua pesquisa reflete sua trajetória de vida. Considerada, também, como autobiográfica e política, ela atravessa o processo de transição, de autocuidado, de escuta e de cura. “Foi parte do processo de transição, de se entender, de se curar, e espero que esse trabalho provoque deslocamentos, que incomode as estruturas e que abra caminhos para que mais corpas como a minha possam ser vistas, ouvidas e valorizadas”.

Foto: Reprodução / URCA.


Que sirva de farol, não de exceção

Como tudo que envolve corpos historicamente marginalizados, o percurso de Daniela foi atravessado por contrastes. Se na universidade ela encontrou uma rede de apoio e construção coletiva, nesse mesmo espaço não passou ilesa das violências institucionais.

 “Ser uma mulher trans negra na universidade pública significa resistir todos os dias à invisibilidade, à transfobia, ao racismo institucional”, explicou.

Entre um dos episódios mais marcantes de violência sofridos está o processo de heteroidentificação. Apesar de ter solicitado o uso do nome social meses antes, no dia da avaliação o sistema ainda exibia o nome morto.

“Mesmo diante da minha solicitação e de todo o desgaste emocional, me disseram que ‘não podiam fazer nada’ e me pediram que tirasse a foto com o nome morto ao lado. Logo em seguida, meu pedido foi indeferido. Foi extremamente violento. Mas mesmo assim, eu permaneci. Esse percurso foi também de cura, de afirmação. Conseguir chegar até aqui é minha maior conquista. E foi com dignidade, com arte e com coragem.”

Hoje, ela deseja que sua presença na colação de grau não seja símbolo de exceção, mas possibilidade concreta para outras mulheres trans que desejem ingressar e sair da universidade.“A conquista não é só minha. Ela é coletiva. Eu carrego comigo o nome de muitas que vieram antes de mim e não puderam estar aqui. Ser a primeira mulher trans formada em Artes Visuais na URCA é, ao mesmo tempo, motivo de orgulho e de questionamento: por que só agora?”, questiona.

Apresentação da pesquisa, realizada em junho de 2025. Foto: Reprodução / URCA.

Diversidade como prática, não discurso

No dia 29 de janeiro de 2025, Dia Nacional da Visibilidade Trans , 52 entidades ligadas ao movimento LGBTQIAPN+ do Cariri apresentaram uma carta pública às universidades Federal do Cariri (UFCA) e Regional do Cariri (URCA), reivindicando a criação de cotas específicas para pessoas trans nos processos seletivos de graduação e pós-graduação.

O pedido se somou a uma mobilização nacional, encabeçada pelos movimentos LGBTQIA+ junto ao movimento estudantil. Pelo menos 23 universidades públicas brasileiras já adotaram cotas trans como política. 

A medida é considerada urgente para que grupos historicamente marginalizados tenham acesso real ao ensino superior, abrindo caminhos para viver com dignidade e acesso integral aos seus direitos.

Quando questionada pela reportagem sobre que mensagem deixaria a quem enxerga  e se inspira em sua conquista, a recém formada destacou que sonhar não é luxo, é direito.A universidade pode ser um lugar nosso também, mesmo quando ela tenta nos negar, mesmo quando tudo parece difícil, se mantenham firmes, busquem apoio, criem redes. A presença de vocês é urgente e necessária e nunca se esqueçam: a gente não está sozinha, toda vez que uma de nós avança, abre caminho para outras virem também. Resistir é existir. E existir com dignidade é um ato de amor radical”, concluiu Daniela.

 

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