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A uma vacina de distância: Xico Sá diz que não existe como escritor sem a experiência de vivenciar o Cariri
Nesta entrevista ao Miséria, Xico Sá faz reflexões sobre a pandemia, governo Bolsonaro e fala sobre a dor de não poder visitar a família no Cariri.
Izabelly Macêdo
Xico Sá com a filha Irene e a esposa Larissa na chegada do pequi em Juazeiro do Norte. (Foto: Arquivo Pessoal)

Quem lê Big Jato, Sertão Japão, as crônicas no El País ou até mesmo as postagens nas redes sociais, entende o amoradoração que Xico Sá tem pela região do Cariri. Desde que o escritor cratense partiu de Juazeiro do Norte para estudar em Recife e ganhar o mundo, esta é a primeira vez que se vê completamente impossibilitado de visitar a mãe e recarregar a verve literária na terra natal. Em meio ao maior desafio do século, a pandemia do Coronavírus, Xico se vê isolado em São Paulo, onde mora com esposa e filhos. A saudade se mistura à indignação pelos agravamentos de um governo bonequeiro e desleixado, como ele diz. E a espera pela vacina…bom, esta está tão espinhosa quanto um pequi por dentro. Conversei com Xico para saber como tem passado. A verdade é que ele está como nós: cansado, preocupado e introspectivo. Mas, apesar de tanto, consegue nutrir uma esperança – porque, convenhamos, precisamos nos apegar em algo bom.

Muitas pessoas que estão cumprindo o isolamento, mesmo que acompanhadas de alguém, dizem sentir uma solidão. Você tem se sentido assim?

Somos em quatro aqui (Larissa, minha mulher, e mais dois filhos; Irene, 4 anos, e Teo, 13 anos) e estamos fazendo uma quarentena bem radical, mesmo com o sacrifício que isso representa. Sim, às vezes bate uma certa melancolia, mas tento transformar toda essas sensações em crônicas e outros textos. Tem sido um período de reflexões mais aprofundadas, o que nos leva a fazer um tipo de autoanálise sobre a vida toda.

Antes da pandemia você estava com planos de vir ao Cariri quando?

Não ter ido ao Cariri em 2020 foi inédito: desde que sai de Juazeiro para morar no Recife, no comecinho de 1980, foi o primeiro ano que fico sem voltar à casa da minha família. Isso foi muito estranho e doeu um pouco, mas foi um sacrifício por mim e também por meu pais, mais vulneráveis ainda ao coronavírus. Agora quando penso na vacina já sinto o cheiro do Cariri na memória. Não vejo a hora desse retorno, que será especial por causa de tudo isso que estamos vivendo.

Foi um ano inteiro, praticamente, de distanciamento – cenário ainda sem previsão de mudança – e você tem o costume de vir ao Cariri com uma certa periodicidade visitar sua mãe e familiares. Como tem sido lidar com isso?

Além da questão da saudade da família e dos amigos, tem outro ponto importantíssimo: é nas idas ao Cariri que realimento a minha escrita e renovo o sortimento de temas para escrever novos livros etc. É só pegar meus livros de crônicas ou o romance Big Jato para sentir o que estou falando, não existo como escritor sem a experiência de vivenciar sempre o Cariri. É fundamental em tudo que faço, mesmo nos pitacos e nas opiniões em programas de tv. 

No Cariri, o isolamento social, como em muitos lugares, foi amplamente desrespeitado. Muitas pessoas ainda negam a gravidade da Covid-19. Qual sua análise sobre tanta negação da realidade?

 O desrespeito ao isolamento é no Brasil todo, uma situação muito agravada por causa de um presidente negacionista, um genocida que incentiva aglomerações e desrespeita a ciência. Quando esse péssimo exemplo vem da figura que deveria ser modelo para a população, a coisa fica feia. O que está acontecendo é uma tragédia, são mais de 200 mil mortes e o governo federal errou até na política de compra de seringas. Um desastre nunca visto nesse país.

Minha primeira grande perda, de uma pessoa querida, foi recentemente para a Covid-19. A morte traz um sentimento devastador. Você perdeu alguém próximo para a doença também?

Ah, esse luto é muito pesado mesmo. Perdi amigos no Recife, no Rio e em São Paulo. Minha mulher perdeu a avó. É um rastro de destruição, com o agravante de não permitir sequer a cerimônia do adeus. E sem se falar nos artistas que perdemos todos, como o Aldir Blanc, o escritor Sergio Sant´Anna e tantos outros. Muito triste.

O que mais te angustia agora? 

A maior angústia é  receber a notícia dos governos agindo no mundo inteiro e aqui no Brasil continuamos nas mãos desse governo irresponsável, bonequeiro e desleixado.

O que mais te dá esperanças agora? 

A minha filha Irene é minha ideia de esperança. 

Me recordo que em um texto seu para sua mãe, você diz que quando saiu do Cariri para Recife vocês trocavam cartas e ao final diziam “espero que esta te encontre com saúde”. Hoje em dia, vocês certamente se comunicam com mais facilidade. A saudação final mudou?

Sim, quando eu sai de Juazeiro, mais precisamente da rua Santa Luzia (quase esquina com São Jorge), tudo era na base da carta. Telefone era caro demais, ligava uma vez por mês e olhe lá. Agora falo com a família toda com direito a vídeo, é um luxo (rs). Mas óbvio que sinto falta das cartinhas -sempre que vou ao Cariri releio algumas que minha mãe, dona Maria do Socorro, guarda até hoje.

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