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8 de março: é preciso ir além do discurso de igualdade e agir pela equidade
Paulo Junior. Edição: Yanne Vieira
Foto: Rosane Lima

O discurso de igualdade de gênero é certamente uma pauta recorrente, ocupa veículos de imprensa, o cotidiano de algumas pessoas. Contudo, vem ocupando de modo singular os discursos dos políticos nacionais, independente da vertente política eles afirmam que lutarão para que haja igualdade. O discurso certamente deve soar estranho para a maioria do contingente feminino, maior parte da população brasileira, sendo chamada pejorativamente de minoria. 

Soa estranho porque o discurso proferido nas assembleias e palácios do país evoca o ideal feminino por procuração, não o incluindo objetivamente. Ninguém sabe melhor da sua luta cotidiana do que a mulher que a vive. Entretanto, o espaço da política julga prudente, muitas vezes, limar a mulher do local de decisão e, assim, dizer que fala por elas. Será que fala? 

Na busca por ideal quase antiquado de igualdade, esquece-se um aspecto primordial a qualquer caminho a ser percorrido: a equidade. Equidade pressupõe que todos os participantes da corrida irão partir do mesmo ponto. As mulheres partem do mesmo ponto que os homens? Todas as mulheres partem do mesmo ponto? O Estado age para que todos saiam do mesmo ponto? 

Quando observamos os dados da realidade brasileira, vê- se de modo evidente que a mulher é tratada em diversos momentos como um ser inferior. A ministra do Supremo Tribunal Federal, e ex-presidente da corte, Carmén Lúcia, disse em entrevista ao programa Roda Viva, que secularmente a mulher foi silenciada. Silenciada como se sua voz não fosse, ou não pudesse, ser tão ouvida quanto a dos homens.  

Carolina Maria de Jesus também mostra isso em sua obra, na sua obra prima “Quarto de Despejo”, a autora faz um relato duro das mazelas de uma vida periférica. Entretanto, é preciso olhar com atenção, porque as máculas de Carolina são de uma mulher periférica, e esse detalhe mais que importa. 

É preciso não falar por procuração 

A política é o espaço da representação, da fala, é o lugar em que as questões dogmáticas de um país são ditas, reditas, discutidas. A política deve ser o espaço da vida em sociedade, e toda a sociedade deve se ver neste espaço. Porém, não é isso que acontece, e os números deixam isso luminar. 

O Congresso brasileiro é masculino e branco, e isso diz muito sobre o machismo enraizado. Hoje, das 513 vagas da Câmara dos Deputados, apenas 91 são ocupadas por mulheres, isso representa somente 17,7% dos assentos. No Senado a lógica não é diferente, apenas 15 das 81 vagas são ocupadas por mulheres, o que corresponde a 18,7% de toda a composição. 

Parte da Bancada Feminina da Câmara Federal. Foto: Agência Câmara 

Na Assembleia Legislativa do Ceará o quadro é praticamente o mesmo, já que das 46 vagas disponíveis, somente oito são de mulheres. Assim, no legislativo cearense apenas 17,6% dos assentos são de mulheres. 

Esse quadro choca, e a palavra a ser aplicada é essa: choque. Especialmente quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a maior parte da população é composta por mulheres, cerca de 51,1%. Porque tratar uma ampla maioria sob uma lógica vã de minoria?  

A Bancada Feminina de titulares no Senado Federal diminuiu de tamanho em 2022. Foto: Agência Senado  

Aponta-se aqui que muitas dessas questões chegam à instância máxima da Justiça brasileira, porém, lá também a toga é muito mais masculina que feminina. Entre os 11 ministros, apenas 2 são mulheres. Esse dado já seria absurdo, todavia, piora quando se imagina que em toda a história da República apenas três mulheres conseguiram chegar ao máximo da carreira jurídica. Sabe-se que esse fato não tem nenhuma ligação com competência, já que a magistratura de outros tribunais mostra isso. Se não tem ligação com competência, qual seria a justificativa? 

A justificativa é que é hediondo machismo que é parte da formação nacional e que está incutido no seio social. Machismo que é capaz de burlar o que a lei afirma. E assim, quando a magistratura afirma que 30% dos recursos do fundo eleitoral deve ser direcionado à campanhas de mulheres, os partidos, acham por bem formar candidaturas laranjas e por meio de manobras usar o dinheiro dos 30% em campanhas de homens. 

Para a ativista Bruna Santos, esse quantitativo ainda é pequeno, “é fruto da lei – conquistada por mobilização popular feminista […] Isso nos faz se perguntar: Será que as mulheres não querem participar da política, ou apenas não permitem que elas participem?”, indaga.

E no Cariri 

No Cariri cearense o que se vê nas prefeituras é o alastramento do domínio masculino na política. Entre as 29 cidades da região, apenas duas contam com prefeitas, são os municípios de Brejo Santo e Jati, presididos respectivamente por Gislaine Landim e Mônica Damasceno. 

As Câmaras municipais seguem o mesmo trajeto, sendo majoritariamente ocupadas por homens. Uma das únicas que tinha como presidente uma mulher, a Câmara de Juazeiro do Norte, testemunhou um brutal feminicídio às vésperas do Dia Internacional da Mulher. Com apenas 26 anos, Yanny Brena foi morta em uma manifestação absurda de ódio.

Presidente da Câmara de Juazeiro do Norte, Yanny Brena, vítima de feminicídio. Foto: Reprodução Redes Sociais 

Violência no Ceará 

O Ceará é um dos estados com maior número de casos de violência contra a mulher. Dados oficiais apontam que somente entre janeiro e maio de 2022 foram registrados 7.500 casos de violência desta ordem. No Cariri, nos últimos cinco anos foram 27 casos de feminicídio.

Um estudo divulgado nesta segunda-feira (6) e elaborado pela Rede de Observatórios da Segurança, apontou que ao menos três mulheres são vítimas de violência doméstica no Ceará por semana. Aqui é importante frisar que esse número segue subvalorizado, já que organizações do terceiro setor indicam dados muito maiores. 

Em 2023 já são 13 casos de assassinato de mulheres, todos eles com fortes características de feminicídio. 

A patrulha Maria da Penha atua em diversos pontos do território cearense. Hoje tem forte atuação no Crajubar. Foto: Reprodução 

A luta vai além do 8 de março 

8 de março é uma data significativa. No entanto, o contexto de lutas vai além desta data. Ser mulher no Brasil é um ato de resistência. É preciso resistir a todas jornadas de trabalho, resistir ao olhar que julga desmedidamente, resistir ao machismo estrutural, resistir a um mundo que dá cada vez mais indícios de não querer que o feminino exista. 

Ser mulher é encontrar meios de quebrar o estabelecido, de reconfigurar as bases do cotidiano. Ser mulher é dizer ‘basta’. O machismo é uma das manifestações mais obscuras e cruéis da banalidade do mal idealizada pela alemã Hannah Arendt. 

Não há motivos para retroceder, e a procuração que o ideário masculino julga ter para falar em nome das mulheres está sendo rasgada, a fim de que essa face da banalidade do mal seja menos sentida, e muito mais combatida. Ser mulher é lutar todos os dias para existir, oito de março é mais um dia lutando e (re)existindo. 

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