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“Não sou só mãe, eu sou mulher”; veja histórias reais sobre maternidade
Mostrar a realidade vai além de um ato de coragem, é uma reivindicação dos espaços dentro da sociedade
Yanne Vieira
Foto: Pixabay

Datas comemorativas são uma maneira de dizer “eu me importo”, o problema é que a ‘atenção’ nestas pautas duram apenas 24 horas, (ou às vezes nem isso), em um ano com 8.766 horas. Eu, apesar de não ser mãe, sinto que todas nós, mulheres, somos orientadas a maternar e quando optamos por não agir como tal, nos sentimos impossibilitadas de falar em voz alta sobre isso. A sociedade cobra o papel materno incluindo um amor incondicional. Com o dia das mães sendo uma data carimbada em mensagens de afeto, o retrato de hoje vai ser mais fiel e cru, do que é a realidade.

‘Homens têm carreiras, poder e dinheiro e as mulheres têm filhos’ (?)

Mulheres são maioria nas salas de aula, especialmente no nível superior, mas uma porcentagem muito menor ocupa cargos de liderança no mercado de trabalho. As prioridades mudam quando elas têm filhos ou elas encontram locais de trabalho difíceis de conciliar com a vida materna?

Para algumas mulheres, ser mãe é uma função em um trabalho sem remuneração, sem férias e sem descanso. Abrir mão da carreira ou de estar presente na criação dos filhos é uma escolha mais do que difícil, além de ser passiva de julgamentos. No caso de Regilânia Santos, mãe de três filhos, a escolha se baseou na aposta de “um futuro melhor”.

Aos 24 anos, Regilânia descobriu a primeira gravidez. O sonho de seguir os estudos e ingressar em uma carreira no jornalismo já havia sido deixado de lado, e com a descoberta da gestação, ela pôs a necessidade à frente do desejo e decidiu continuar trabalhando.

Chamei todo mundo da família pra dizer que eu ‘tava’ grávida, mas que eu não iria casar. Era uma decisão minha e que ia continuar trabalhando pra poder sustentar ela [a filha]. única coisa que eu queria era o apoio deles”, relata.

Regilânia sabia que não seria fácil. Ela estava certa. Em uma consulta de rotina, aos 8 meses de gravidez, recebeu a notícia de que estava sem o líquido amniótico na barriga. O fluido é o que garante a proteção do bebê na barriga da mãe.

À caminho do hospital, a mãe de primeira viagem só conseguia pensar no trabalho: “eu naquela tensão, ‘hoje tem a reunião na escola’“, relembra. Eu não podia ganhar ela no hospital naquele dia. Eu chorei porque não queria ser operada, justamente porque ia demorar mais a sarar, ia demorar mais para retornar ao trabalho”, conta.

Mesmo com o apoio da família, o medo de perder o trabalho foi tamanho que Regilânia decidiu voltar ao emprego antes mesmo de completar 3 meses de licença maternidade. “As pessoas diziam ‘prefere trabalhar do que cuidar do filho’ mas eu não tinha escolha”, relata.

18 anos depois, a marca das escolhas ainda continua presente, “o que pesava mais pra mim era a questão da ausência. Para poder dar condições melhores, infelizmente a gente tem que estar ausente. Tudo tem seu preço”, disse.

O processo de separação de um casamento muito conturbado colocou Regilânia cara a cara com as escolhas que tinha feito, “eu pensei, o que foi que eu fiz da minha vida? eu não me formei, eu pedi as contas no meu trabalho por causa de um casamento, por causa de uma posição, [ex-marido] que mandou eu sair do trabalho, disse que era pra ficar dentro de casa cuidando dos meninos, foi a parte que eu mais senti na pele. Não, eu não me vejo só como uma dona de casa esperando o marido ‘dar as coisas”’, reflete.

Após essa autoanálise, ela voltou ao mercado de trabalho, mas dessa vez inserindo os estudos como prioridade. Em 2022, iniciando a segunda graduação, se mantém ciente de que mais escolhas serão feitas e que os julgamentos não irão cessar.

Violência e invisibilidade

Com o mito da maternidade encantadora e sutil que ronda os quatro cantos do mundo, muitas vezes, as dores e as desvantagens inevitáveis ​​desse período são abafadas para não “desencorajar” outras mulheres e continuar mantendo um sentido invisível para a sociedade.

26 anos atrás, Natália Albuquerque caminhou sozinha de casa até o posto de saúde. Naquela época, sem informações, achava que as dores que sentia eram uma simples cólica, mas eram, na verdade, contrações. “Eu sei hoje, que eu sofri violência obstétrica por minha bolsa ter sido estourada sem nenhuma necessidade, por ter sido colocada medicação para acelerar o parto, para que eu pudesse parir, mas eu cheguei andando”, relata.

Mesmo após o trabalho de parto, ela não pôde ver a filha. Apesar da preocupação com a amamentação, foi vencida pelo cansaço e dormiu. No dia seguinte, o horário de visitação foi anunciado, mas o quarto continuou vazio. “Estive só o tempo todo, e aquilo foi muito doloroso porque eu sabia que o pai dela não tinha entrado porque ela era uma menina, e ele queria um menino”, conta.

Natália sabia que teria que ser forte e reprimir as fragilidades, foi quando jurou para a filha, ainda no hospital, uma proteção sem medidas. O sentimento não mudou, mas a visão de mãe, sim.

Quando perguntei a Natália sobre um momento marcante, ela me contou sobre o sentimento de impotência que viveu por repetidas vezes quando não conseguia entender certas situações. “Me senti extremamente impotente por dar alimento e ela chorar, abraçar e continuar o choro, por não identificar [o motivo do choro] e eu me senti pequena”. E chegou a se questionar “como eu não sei disso?”.

A vulnerabilidade de Natália foi acentuada durante as visitas que celebravam a nova vida, mas a tornavam apenas uma espectadora e uma fonte de alimento. Foi vivendo e sentindo o corpo ser totalmente modificado, a barriga vazia e alguém no seu peito, sentiu também o peso imposto pela sociedade de que a mulher que é mãe, tem que saber de tudo.

“O maternar foi romantizado, ninguém sabe o que é ser mãe até ser […] a mãe é aquela que tem que dar conta, o pai a gente redime, a gente exime, a gente deixa pra lá, mas a mãe é aquela que tem que se desdobrar em mil pra dar conta das suas fragilidades, das dos outros e dar uma resposta, e a gente não tem resposta nenhuma ”, conta.

Até hoje, sem uma resposta concreta sobre como dar de conta, Natália insiste que a culpa é amiga da maternidade e esse sentimento que anda de mãos dadas com qualquer mãe, “é o pensamento de ‘sempre poderíamos ter feito mais’”, afirma.

Após duas experiências de maternidade e o atravessamento de papéis sociais, Natália ainda vem aprendendo a ser só, percorrer caminhos e lugares ditos impossíveis de se visitar quando se é mãe. Ainda sente a necessidade de debater sobre os desejos reprimidos “Não sou só mãe, eu sou mulher”. E encerra com um lembrete de que se fazer forte é desgastante.

Mostrar a realidade materna vai além de um ato de coragem, é uma oportunidade de reivindicar espaços dentro da sociedade e acelerar processos mais do que necessários para as mães que já cansaram da exigência de serem fortes o tempo todo.

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